Se as nações mais desenvolvidas do mundo têm motivos para comemorar a recuperação pós-pandemia, o Brasil ainda patina no controle da epidemia e nas expectativas de retomada. Apesar de o governo ter revisado as estimativas de crescimento do PIB para 3,5% em 2021 (próximo aos 3,7% estimados pelo FMI), ante a queda de 4,1% em 2020, a volta ao patamar pré-Covid-19 só deve ser alcançada em 2022, com o crescimento previsto para 2,6%. O plano do Ministério da Saúde de vacinar até 2,4 milhões de pessoas por dia está estagnado em 700 000 doses diárias devido à falta de matéria-prima para a produção dos imunizantes no país e ao atraso na compra das vacinas de fornecedores internacionais.
Nesse ritmo, o índice de vacinação é de 18%, inferior até mesmo ao de vizinhos como o Chile, que apostou em uma ampla estratégia de imunização traçada ainda no ano passado e hoje se aproxima dos 50% da população vacinada. Com esse índice, a projeção do FMI é que os chilenos alcancem um crescimento do PIB de 6,2% neste ano. Na comparação direta, percebe-se a vantagem do país andino em atividades como o comércio. Em março, as vendas no varejo local subiram 18,3%, diante do mesmo mês do ano passado, contra uma alta de 2,4% no Brasil. “Em relação ao Chile, o Brasil falhou, por exemplo, ao não investir nos fechamentos da atividade e na vacinação rápida”, explica o economista Otaviano Canuto, ex-diretor do FMI. “O Chile apostou em um lockdown severo e fechou contratos arriscados com as fabricantes de vacina. Hoje o país vê uma luz no fim do túnel.”
No ritmo atual de vacinação e mantidas as previsões feitas pelo governo com base na produção local e nas encomendas de imunizantes no exterior, o Brasil teria chances de começar a fazer uma reabertura segura da economia a partir de setembro, segundo levantamento do banco de investimento UBS BB. Para que isso aconteça, o país precisará ter cerca de 56% da população vacinada, sendo 90% dos imunizados com 30 anos ou mais. Com isso, estaria garantida a segurança do grupo populacional que representa 98% das mortes por Covid e 95% das hospitalizações. Alcançadas tais condições, o Brasil passa a ter chances de voltar ao patamar pré-crise no ano que vem — um resultado que os Estados Unidos devem atingir já neste ano.
Para fazer frente aos impactos da pandemia, a equipe econômica repete a estratégia de 2020: tenta proteger o mercado formal e o setor produtivo, ainda que por meio de programas de estímulo de dimensões bem mais modestas. O auxílio emergencial, que no ano passado disponibilizou 293 bilhões de reais a 68 milhões de pessoas, foi reeditado com o orçamento de 43 bilhões de reais a ser pagos a 46 milhões de brasileiros entre abril e junho. O programa que permite a redução de jornadas e a suspensão de contratos de trabalho foi reeditado por quatro meses e deve durar até julho. Já o financiamento para pequenas empresas garantido pelo Tesouro, o Pronampe, ainda não foi autorizado. A estratégia desenhada pelo Ministério da Economia procurou sincronizar as medidas com o programa de vacinação e se estende até o fim do terceiro trimestre. “É um plano bom, com programas que se mostraram efetivos, mas haveria uma segurança maior se houvesse mais previsibilidade na vacinação”, analisa José Pastore, professor de relações do trabalho da USP.
O grande desafio de curto prazo para a equipe do ministro Paulo Guedes é garantir que empresas e trabalhadores resistam aos próximos meses de pandemia em condições de promoverem a retomada, ainda que uma terceira onda de Covid atinja a população. “É fundamental não permitir que um choque transitório tenha efeitos permanentes na economia”, avalia o secretário de política econômica do Ministério da Economia, Adolfo Sachsida. “E, para isso, nós temos de insistir na agenda de reformas pró-mercado e na consolidação fiscal”, explica.
Passada a fase crítica da pandemia, o ideal seria que o país aproveitasse o impulso favorável que vem, principalmente, do exterior para engatar sua própria recuperação econômica. A forte expansão internacional aliada a um surpreendente ciclo de alta nos preços das commodities — o da soja quase dobrou em um ano enquanto o do minério de ferro chegou a um avanço de quase 50% — mostra que não faltam oportunidades ao país. Ao mesmo tempo, as rápidas retomadas entre os sucessivos períodos de fechamento e abertura das atividades não essenciais durante a pandemia demonstraram a capacidade de recuperação rápida dos baques mais violentos da economia. No entanto, fora do governo, não são poucos os céticos quanto à perspectiva de o país aproveitar a bonança em patamares próximos de seus pares internacionais. “O Brasil tem dois problemas: um pandêmico e outro endêmico”, define Alberto Ramos, diretor de pesquisa econômica para América Latina do banco americano Goldman Sachs. “O primeiro diz respeito à Covid-19 e à vacinação em si. Esse vai passar. O segundo tem causas muito mais profundas no contexto econômico e deve se estender além da crise de saúde.” Nesse sentido, é preciso considerar que o padrão mantido pelo Brasil antes do surgimento do coronavírus era de pequeno crescimento, com baixos índices de investimentos e de produtividade.